sábado, 10 de outubro de 2020

Sociedade quase Anônima




























De maneira geral, nós, seres humanos — almas viventes —, somos mestres em construir barreiras e obstáculos diante de nossos próprios erros e defeitos. Temos pouca disposição para reconhecer nossas mazelas, nossos distúrbios e nossas falhas. Somos, muitas vezes, uma máquina inquieta de turbulências internas, carregando dogmas, contradições e desencontros consigo. Somos, sobretudo, um desejo confuso de nós mesmos, que se materializa e se refugia no aconchego do próprio ego — esse infortúnio que, ironicamente, parece impossível abandonar.


Nosso tempo — assim como tantos outros na história da humanidade — é atravessado por tensões, conflitos e animosidades. O medo, o pavor e a dúvida voltam a se instalar, mais uma vez, como velhos fantasmas que nunca nos deixam por completo. É sempre em meio às crises que os lados mais sombrios e devastadores do ser humano vêm à tona. Emerge, então, uma cacofonia de vozes dissonantes que se opõem ao bom senso, ao equilíbrio, à empatia e ao amor.


Nesse cenário desolador, solidificam-se os alicerces de tudo aquilo que nos adoece como sociedade: ganância, soberba, descrença, orgulho, inveja, má fé, arrogância e tantos outros sentimentos mesquinhos que nos fazem ultrapassar, com frequência, os limites do que significa viver em comunidade.


Se formos “apenas” humanos — guiados unicamente pela lógica e pela razão —, talvez jamais alcancemos qualquer transformação real. É preciso algo além. Algo que transcenda a simples existência biológica e que dialogue com o espírito, com a consciência e com aquilo que nos conecta ao outro e ao todo.


Não digo, com isso, que não haja beleza, bondade e esperança no mundo. Sim, há. Há pessoas dispostas a somar, a cuidar, a zelar pelo bem-estar do próximo. Mas se não encararmos, de frente, as incongruências que nos habitam e as estruturas tortas que sustentam nossos dissabores, jamais seremos capazes de dissolver — ou ao menos amenizar — os males que insistem em nos ferir.


Em tempos de caos, é necessário olhar para dentro. Reconhecer a verdade sobre quem somos, sobre nossas próprias falácias e autoenganos. É urgente encerrar o ciclo de uma existência pautada no ego inflado, na ganância disfarçada de progresso e no desejo desenfreado de apenas ter, possuir, conquistar.


Não há mudança sem reflexão.

Não há como reconhecer nossas sombras se não estivermos dispostos a encará-las. Não podemos seguir fugindo da realidade, ignorando que muitas de nossas escolhas são movidas, prioritariamente, pelo desejo de satisfação pessoal, mesmo que, para isso, sejamos indiferentes à dor do outro.


O problema não está em querer o bem para si — isso é natural, legítimo e até necessário —, mas na origem e na intenção dos nossos desejos. Muitas vezes, eles nascem de um lugar escuro, carregado de interesses escusos, disfarçado de necessidade, mas que, na verdade, revela apenas a face oculta de uma busca vazia.


Nosso caminho, então, deveria ser pela construção de uma existência que não se limite ao benefício próprio, mas que também gere impacto, que reverbere, que ecoe como semente de transformação no coletivo. E isso começa no indivíduo, no íntimo de cada um, como uma corrente capaz de transformar medos, desequilíbrios, disparidades e dissonâncias em aprendizado, em evolução, em possibilidade de um mundo mais harmônico e digno de ser vivido.


Somos corpo, alma e espírito. E entender essa unidade é o que nos permite, de fato, perceber que a vida vale a pena, e que é possível vencer a essência corrompida que, muitas vezes, insiste em habitar dentro de nós.


Por isso, é preciso falar, sim, sobre esse lado sombrio — aquele que se aninha no corpo, se esconde na alma e se enraíza no espírito. Aquele que escraviza o coração, que adoça o ego e que amarga a vida quando escolhemos viver no automático, guiados apenas pelo ácido e raso modo de simplesmente existir, sem realmente viver.


No fim, somos todos… seres humanos. Na essência, paradoxais, contraditórios, insanos. Carregamos no peito mais perguntas do que respostas. Somos vítimas e algozes de nossas próprias dúvidas, escravizados, muitas vezes, pela certeza ilusória de que somos melhores do que, de fato, somos ou podemos ser.


E talvez, reconhecer isso seja o primeiro e mais honesto passo para, enfim, nos tornarmos melhores.


“Nossa dor vem da distância entre aquilo que somos e aquilo o que idealizamos ser.” Friedrich Nietzsche

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