. . .
Há dias em que o coração se adianta. Ele corre na frente, entrega o que sente, abre portas, acende luzes e estende a mesa para um banquete de afetos. E então a gente percebe, no silêncio do outro, que talvez tenha preparado demais para quem ainda não sabe sequer sentar à mesa.
É estranho como alguns gestos nascem grandes demais para mãos que ainda não aprenderam a segurar. A gente oferece cuidado, e o outro só queria distração. A gente entrega presença, e o outro só tinha espaço para passagem. A gente dá profundidade, e o outro ainda está aprendendo a nadar na superfície das próprias emoções.
Agatha Christie disse que não se pode dar às pessoas o que elas não são capazes de receber. E há uma sabedoria imensa nisso — não a do orgulho ferido, mas a da maturidade tranquila. Porque amor, afeto, amizade, compreensão… tudo isso precisa de um lugar onde pousar. Um solo fértil, uma terra que acolha. Caso contrário, vira semente lançada ao vento: bonita no gesto, mas perdida no destino.
A gente demora para entender que não é falta nossa. Não é exagero, nem intensidade, nem essa mania de sentir o mundo com todos os sentidos. Às vezes, simplesmente não cabe no outro. O timing não é o mesmo. A história não tem o mesmo capítulo. O coração não está na mesma página.
E que paz existe em aceitar isso.
Porque quando a gente aprende a oferecer só o que o outro pode receber, sobra espaço para guardar o que é precioso — e entregar, com doçura, a quem realmente tem mãos prontas para segurar. Sobra também a leveza de não insistir onde não há retorno, e a liberdade de não se encolher para caber.
No fim, a vida sempre devolve. Sempre encontra um peito que entende a linguagem do nosso afeto, um olhar que saiba acolher sem medo, uma alma que queira receber o que a nossa tem para dar.
E quando isso acontece, nenhuma entrega é desperdício.
É encontro. É reciprocidade. É destino respirando aliviado.
Porque o que é nosso, de verdade, sempre encontra quem saiba receber.
Nenhum comentário:
Postar um comentário