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quarta-feira, 15 de outubro de 2025

🖤Lembranças, saudades e cicatrizes

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Desde que ele se foi, Rebeca não conseguia mais tomar café na varanda. Era lá que os dois sentavam todas as manhãs, quando o sol ainda era tímido e o mundo parecia caber dentro de duas xícaras fumegantes. Agora, o mesmo lugar tinha se tornado um campo minado de lembranças — qualquer movimento em falso e o coração dela explodia em silêncio.

As pessoas diziam que ela precisava reagir. Que devia sair, distrair-se, abrir as janelas. Mas como explicar que o ar da casa ainda tinha o cheiro dele? Que até o som do vento parecia carregar um eco do riso que ela tanto amava?

Rebeca tentava ser forte. Às vezes até conseguia. Colocava a vida no piloto automático, cumpria horários, fazia o jantar, pagava contas. Mas bastava uma música antiga tocar, ou um pôr do sol mais bonito do que o normal, e tudo dentro dela ruía. A saudade voltava, imensa, derrubando as defesas que ela mal conseguia erguer.

Numa tarde qualquer, enquanto arrumava o armário, encontrou uma camisa dele — esquecida, ou talvez guardada de propósito por um pedaço teimoso de si. Apertou o tecido contra o rosto e chorou sem pressa. Não era mais aquele choro de desespero, mas um choro manso, resignado. Um choro que dizia: “você ainda está aqui, mesmo não estando.”

Nos dias seguintes, algo começou a mudar. Ela voltou à varanda. Colocou duas xícaras sobre a mesa, por hábito — uma para ela, outra para a ausência. E quando o vento soprou, sentiu uma leveza estranha. Não era felicidade. Era aceitação.

Rebeca percebeu, então, que não precisava deixar de sentir saudade para seguir em frente. Precisava apenas aprender a viver com ela — como quem convive com uma cicatriz: às vezes dói, às vezes coça, mas é parte da história.

E naquela manhã, enquanto o café esfriava devagar, ela sussurrou para o ar:

— Eu ainda sinto sua falta… mas agora já consigo respirar.


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