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segunda-feira, 6 de outubro de 2025

💔O Coração que Sangra

. . .

Chovia há dias.

O céu, cansado das próprias culpas, parecia derramar arrependimento sobre a cidade. As ruas respiravam pressa; os rostos, ausência. Cada passo soava como o eco de um mundo tentando não desabar.

Elias caminhava em silêncio. O casaco puído encharcado, o olhar perdido entre vitrines que vendiam ilusões e janelas que exibiam sorrisos alugados. Tudo parecia tão cheio de vida — e, ainda assim, tão morto por dentro.

No cruzamento, uma criança vendia balas. Um homem gritava ao celular. Uma mulher chorava discretamente sob um toldo. Elias observava e pensava: meu coração sangra.

Tudo aquilo lhe corroía por dentro.

Sangra pelas promessas rasgadas, pelas conversas interrompidas, pelos sonhos que ficaram em prateleiras empoeiradas de dentro de cada um.

Parou em frente a uma padaria. Lá dentro, o calor dos pães recém-saídos do forno parecia pertencer a outro mundo. Uma senhora sorridente o convidou a entrar:

— Está chovendo demais pra ficar aí fora, moço.

Ele entrou. Sentou-se num canto. Pediu um café preto.

A senhora voltou com a xícara fumegante e um guarda-chuva encostado na cadeira.

— O senhor vai precisar disso depois — disse ela, com doçura de mãe.

Elias sorriu, mas respondeu:

— Deixe comigo. Às vezes, é bom sentir a chuva. Assim lembro que ainda estou vivo.

Ela assentiu, silenciosa, como quem entende mais do que diz.

Quando ele saiu, a chuva parecia menos fria. Havia algo de diferente no ar — talvez fosse só o cheiro do pão, ou talvez a lembrança de que, mesmo feridos, ainda há mãos dispostas a oferecer abrigo.

Elias seguiu.

O coração continuava sangrando, mas já não era de dor — era de presença.

De quem entende que o sangue é o que mantém o corpo quente, e o sentir é o que impede o mundo de congelar.

Enquanto houver quem sinta, há vida. Enquanto houver quem sinta, ainda há chance de cura.

E enquanto houver vida, há esperança — mesmo que o céu ainda chore.


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