Zeca era mais que um motoboy — era um cronista do asfalto, um filósofo da entrega expressa, um contador de causos em cima de uma moto 150, guerreira como ele. Com a jaqueta surrada, capacete riscado e o sorriso sempre no ponto, cortava as ruas da cidade como se tivesse nascido grudado no guidão. E, de certa forma, tinha mesmo. Desde os 17, quando fez o primeiro frete pra farmácia do bairro, já sabia que a rua seria seu escritório.
Todo dia, antes das sete, Zeca já tava de pé. Dava beijo na testa dos filhos — dois meninos e uma menininha que dizia que ele era “o papai mais veloz do mundo” —, ajeitava a marmita na mochila e dizia pra esposa: “Vou buscar o pão do amanhã.” Porque pra ele, mais que ganhar o sustento, era garantir o futuro.
A cidade, pra Zeca, era um mapa vivo. Sabia onde o asfalto era bom, onde tinha buraco traíra, onde o guarda costumava ficar escondido atrás da árvore, e até qual cliente reclamava se chegasse sem sorrir. “Bom dia, meu patrão! Pedido quentinho igual coração de sogra!” — e soltava uma risada gostosa, daquelas que fazem o cliente rir também, mesmo sem querer.
Cada entrega era uma história. Um dia levou um buquê de flores com cartão apaixonado e acabou virando cupido de reconciliação. Noutro, carregou uma encomenda misteriosa, só pra descobrir que era uma caixa de miniaturas de cavalinhos que uma senhorinha colecionava desde os anos 60. “A gente leva mais do que pacote. Leva sentimento, saudade, promessa, desculpa e até alegria embrulhada.”
Nos dias de chuva, Zeca virava herói de capa invisível. Enfrentava enxurrada, buzina, semáforo teimoso, mas não perdia o bom humor. “Hoje tá caindo o céu, mas o sorriso é à prova d’água!” E acelerava, sempre com segurança, porque sabia: em casa, três bocas esperavam por ele.
Às vezes dava tempo pra um cafezinho numa padaria conhecida. Sentava, contava uma história, ouvia outra, perguntava da filha da balconista, do time do padeiro, e já saía com dois salgados de brinde e uma nova amizade no bolso. “O segredo do bom atendimento é ser gente”, dizia.
Pra Zeca, não existia entrega pequena. Tinha orgulho do uniforme, da empresa que confiava nele, dos clientes que já sabiam seu nome. “Zeca, tu é rápido, hein?” — e ele respondia: “Sou só o vento com mochila nas costas!”
Numa cidade de pressa e buzina, ele era pausa e presença. Sabia que mais que chegar, era como se chega. E nisso, Zeca era campeão.
Quando a noite caía e ele voltava pra casa, cansado, molhado, suado, mas inteiro, escutava o grito da filhinha no portão: “Lá vem o motoboy mais incrível do mundo!” — e, naquele instante, sabia que tudo valia a pena.
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