Eu nunca gostei da noite.
Dizem que a noite tem seu charme, seu silêncio, sua poesia… mas, pra mim,
ela sempre carregou um peso, uma espécie de desconforto que eu não sei muito
bem explicar. É como se, quando o céu se apaga, o mundo inteiro ficasse mais
estranho, mais incerto.
Talvez seja coisa de quem aprendeu desde cedo a procurar abrigo na luz.
Criança, eu já fechava os olhos antes que minha mãe apagasse a lâmpada do
quarto, tentando enganar o próprio medo. De olhos fechados, eu dizia pra mim
mesmo que era melhor não ver o escuro, como se ele não existisse só porque eu
recusava olhá-lo.
O fato é que o escuro me devolve aquilo que, durante o dia, eu consigo
disfarçar. Os pensamentos que eu escondo, as dúvidas que empurro pra depois, as
saudades que finjo não sentir. À noite, eles fazem fila na minha cabeça, como
se estivessem só esperando o sol se recolher pra tomarem conta de mim.
Não gosto do silêncio da madrugada. Ele não é quietude, é barulho de
dentro. É quando até o tic-tac do relógio parece alto demais, quase um lembrete
de que o tempo segue, indiferente, mesmo quando a gente gostaria de pausá-lo.
Talvez seja isso: o escuro me deixa vulnerável. Sem distrações, sem
cenário, sem a máscara que a claridade ajuda a sustentar. A noite expõe mais do
que esconde.
E, sim, eu sei… tem quem ame a noite. Quem enxergue nela um convite pra
desacelerar, pra olhar pra dentro, pra se encontrar. Mas, pra mim, olhar pra
dentro às vezes dói. Dá medo. Porque nem sempre eu gosto do que encontro lá.
Por isso eu insisto em luzinhas acesas pela casa. Um abajur no canto, o
brilho do celular, a televisão ligada sem ninguém assistir — qualquer coisa que
afaste a ideia do breu absoluto. É como se eu dissesse pra mim mesmo: “calma,
ainda tem luz aqui… você não tá sozinho.”
Eu não gosto da noite. Eu não gosto do escuro.
Mas, ainda assim, todo dia eles voltam. E, de algum jeito, todo dia eu
aprendo a atravessá-los.
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