sábado, 31 de maio de 2025

O Peso que Não É Meu, o Peso que Não É Seu

Tem se tornado curioso — e, quem sabe, até inquietante — viver neste tempo em que a responsabilidade parece ter mudado de roupa, de endereço e, talvez, até de nome. De repente, ninguém mais responde por seus próprios atos. As escolhas erradas, os erros cometidos, as palavras ditas sem cuidado, tudo é sempre culpa de algo externo: da sociedade, do sistema, dos traumas, das circunstâncias.


E, num movimento inverso, cresce uma expectativa silenciosa (ou às vezes bem barulhenta) de que eu, você, nós, sejamos responsabilizados por erros que não cometemos. Erros de outras pessoas, de outros tempos, de outras histórias. Somos cobrados como se herdássemos não só os acertos de quem veio antes, mas, sobretudo, as dívidas, os tropeços e os fantasmas.


Vejo isso no olhar aflito das conversas, nos julgamentos que atravessam as redes, nos dedos apontados com a segurança de quem nunca errou — ou melhor, de quem acredita não ter culpa de nada. E, de repente, estamos todos nesse teatro estranho: atores que não escrevem suas falas, mas são cobrados pelo roteiro que outros deixaram.


É claro que não se trata de ignorar o passado. Carregar memória é essencial, entender contextos é maturidade. Mas há uma linha fina — e perigosamente borrada — entre reconhecer a história e ser condenado por ela.


Parece que, enquanto alguns se escondem atrás da desculpa da vítima eterna, outros se veem forçados a vestir culpas que jamais foram suas. É como se tivéssemos abandonado o velho e simples princípio de que cada um deve responder, antes de tudo, por aquilo que escolhe fazer.


No fim das contas, talvez o desafio dos nossos dias seja resgatar esse senso de responsabilidade individual. Entender que nem tudo que sofremos é culpa dos outros, e que nem tudo que os outros fizeram recai sobre nós.


Se não formos capazes de distinguir isso, corremos o risco de viver em uma sociedade onde todo mundo se sente injustiçado — e, paradoxalmente, ninguém é realmente culpado de nada.


O peso que não é meu… O peso que não é seu… Mas que, de alguma forma estranha, estamos todos tentando carregar.

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