sexta-feira, 30 de maio de 2025

Ritual de Torcedor

Domingo de clássico é como um feriado com coração acelerado. O sol mal nasceu e ele já está de pé, com aquele brilho nos olhos que só quem tem fé em time grande conhece. A camiseta da sorte, já separada desde a sexta-feira, repousava dobrada com cuidado sobre a cadeira do quarto. Nas costas, o nome estampado em letras firmes e o número 76 — seu ano de nascimento, sua raiz, sua história.

Vestir aquela camiseta é quase um batismo. A correntinha com o escudo do time e a pulseira trançada completam o uniforme sentimental. O boné? Ah, esse nunca falha. Já desbotado pelo tempo, mas carregando as marcas de muitos gritos de gol, abraços desconhecidos e lágrimas sinceras.

Sai de casa sempre no mesmo horário. Nem mais, nem menos. Parece que tem um cronômetro no peito marcando a cadência exata do seu amor. O carro segue o trajeto que já conhece de cor — sem precisar de GPS ou pensamentos. As ruas vão se pintando de cores rivais, bandeiras nas janelas, buzinas em ritmo de torcida. A cidade ganha outro som, outro cheiro, outro pulso. O clássico tem esse poder.

Estaciona no mesmo canto, quase um ponto sagrado. Cumprimenta o flanelinha que já virou parceiro de arquibancada — mesmo nunca tendo entrado no estádio. A caminhada até os portões é uma procissão. Milhares de vozes, batuques, cantos que ele conhece desde menino, quando ouvia seu avô falar do time com aquele olhar de quem viu Pelé e ainda acreditava em milagres de camisa 10.

Chega no estádio e passa pelas catracas no minuto exato. Ele sempre entra às 15h27. Por quê? Nem ele sabe dizer. Só sabe que começou assim há uns anos e deu sorte. Desde então, virou regra. Quem ama, entende. Superstição, para uns. Ritual sagrado, para ele.

O jogo é um épico em noventa minutos. Emoção desenhada a cada ataque. Gritos roucos, braços erguidos, mãos na cabeça. Um clássico de verdade: seis gols, três pra cada lado, e o coração aos pulos. Ele vive cada lance como se fosse final. Abraça quem está ao lado — desconhecidos que, por noventa minutos, são irmãos de sangue e camisa.

Quando o juiz apita o fim, ele já sabe o que fazer. Sem desespero, sem atropelo. Espera o fluxo acalmar, ajeita o boné, confere o chaveiro do avô no bolso e caminha de volta ao carro como quem volta de um templo. O resultado? Importa, claro. Mas mais importante é estar ali. É viver aquele momento que dá sentido à semana inteira.

No rádio, os comentários ainda ressoam. Mas ele já está além das análises. O empate foi justo. O coração está cheio. E a alma? Em paz.

Na segunda-feira, tudo recomeça. Mas dentro dele já bate a ansiedade pelo próximo domingo. Pelo próximo grito. Pelo próximo 3x3, ou quem sabe um 2x1 milagroso. Porque ser torcedor é isso: viver esperando o próximo capítulo de uma paixão que não termina nunca. Uma herança do avô, um presente pro coração.


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