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Basta a primeira gota cair e tudo dentro da gente já começa a mudar. A rua desacelera, os carros deixam rastros na pista molhada, e as janelas se tornam molduras de um mundo mais calmo, mais íntimo. Chuva tem esse dom: de lavar não apenas o chão, mas também as lembranças.
E é nesses dias cinzentos, com o som da água batendo no telhado, que alguém decide tocar aquela velha playlist esquecida. As músicas antigas começam a preencher o ar como se trouxessem consigo personagens adormecidos. Uma nota, uma melodia, e lá estão os rostos que já se foram, os abraços que não voltaram, os amores que ficaram nos corredores da memória.
Tem música que nos devolve à sala da avó, cheiro de café e bolo de fubá no forno. Tem outra que lembra a primeira dança desajeitada, a timidez dos 17 anos, o frio na barriga diante de um “oi” que virou história. Cada faixa é uma fotografia sonora de um tempo que não volta mais, mas que ainda vive dentro da gente — com todos os seus perfumes, medos e encantamentos.
A nostalgia é uma visita que não pede licença. com a chuva e se senta ao lado da gente no sofá, como um velho amigo que sabe exatamente por onde a alma andou. Ela não vem para nos prender ao passado, mas para nos lembrar que vivemos. Que sentimos. Que fomos intensamente reais em dias que hoje parecem tão distantes.
Talvez por isso chova tanto dentro de nós nesses momentos. Porque, de algum jeito, a saudade também é uma forma de amor. Um amor que resiste ao tempo, que se esconde nos detalhes, que reaparece nas entrelinhas de uma canção esquecida.
A chuva continua. A rua ainda está ali, molhada e silenciosa. E, enquanto toca mais uma daquelas músicas que embalam lembranças, a gente aprende que há beleza também naquilo que não pode mais ser tocado — mas que permanece eternamente no coração.
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