. . .
Carlos tinha 34 anos, mas a sensação era de que ainda estava na fase “teste grátis” da vida. Sabe aquele período em que você acha que, em breve, vai receber o manual de instruções? Pois é. O dele nunca chegou.
O despertador tocava às 6h30. Ele abria um olho, encarava o teto e pensava: “Qual é a missão de hoje?” — como se fosse abrir um joguinho no celular. Só que, diferente do jogo, na vida você não ganha moedas, ganha boletos.
No banho, pensou: “Talvez eu esteja na fase adulta”. Mas aí se lembrou do jantar de ontem — pizza fria, Coca-Cola e uma tentativa de maratonar série que acabou em cochilo no sofá. Nada muito adulto nisso.
No ônibus, uma senhora simpática puxou conversa:
— Você trabalha ou estuda?
— Os dois… e nenhum dos dois direito — respondeu, sorrindo amarelo.
Chegando ao escritório, Joana, a colega que sempre parecia estar num comercial de margarina, estava feliz com a própria “fase de se reconectar consigo mesma”.
— E você, Carlos? Qual é a sua fase agora? — perguntou, enquanto a máquina cuspia café aguado.
Ele pensou em inventar algo bonito, como “fase de crescimento pessoal”, mas lembrou que quase brigou com o micro-ondas de manhã porque ele “não respeitou o tempo do miojo”. Então, foi sincero:
— Acho que é a fase “sobrevivendo no modo aleatório”.
O dia passou arrastado. Entre e-mails sem sentido e reuniões que poderiam ter sido um “bom dia” no corredor, Carlos reparou que todo mundo parecia ter um plano, um projeto, uma hashtag motivacional pra chamar de sua. Ele, no máximo, tinha a promoção do café na padaria e a meta de não esquecer onde deixou a chave.
À noite, em casa, abriu o aplicativo do banco: saldo negativo. Abriu o aplicativo de dieta: meta não batida. Abriu o aplicativo de meditação: “Você está ausente há 83 dias”. Sorriu.
Talvez não ter fase fosse uma fase. Uma fase invisível, sem nome, mas que ainda assim acontecia.
Deitou-se na cama, encarou o teto e falou baixinho:
— Ok, vida, próxima fase.
O silêncio respondeu.
E foi aí que o celular vibrou. Uma notificação: “Pagamento agendado com sucesso: aluguel”.
Carlos suspirou.
— Ah… então é essa a próxima fase. A fase “mais difícil”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário