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quinta-feira, 17 de julho de 2025

🔄A vida não acontece lá na frente nem se resolve olhando para trás

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Era uma manhã como qualquer outra quando Marina percebeu que havia passado os últimos meses vivendo em dois tempos que não eram o dela. À mesa do café, entre uma colherada de granola e outra, sua mente oscilava entre a ansiedade do que poderia acontecer na reunião da tarde e a ruminação daquilo que deveria ter dito na conversa de ontem. O presente — o sabor da fruta, o calor da xícara entre as mãos, a luz suave que entrava pela janela — simplesmente não existia.

Foi então que sua filha de sete anos, ainda de pijama, se aproximou e perguntou: “Mãe, você está aqui?” A pergunta, feita com a simplicidade devastadora da infância, a trouxe de volta ao chão da cozinha, ao agora que ela havia deixado escapar mais uma vez.

“Estou sim, meu amor”, respondeu, e pela primeira vez naquela manhã, estava.

Há uma ilusão sedutora na ideia de que a vida acontece em grandes momentos — nas conquistas, nas viradas, nos marcos que dividem o antes e o depois. Crescemos esperando por esses momentos como quem espera por um trem que nunca chega, enquanto perdemos a paisagem que se desenrola pela janela do vagão em que já estamos.

A verdade é que a vida não se acumula em uma conta poupança emocional para ser sacada no futuro. Ela se gasta e se renova a cada dia, a cada escolha pequena, a cada atenção dada ou negada ao que está diante de nós. É no café bebido com presença, na conversa ouvida de verdade, no trabalho feito com propósito que construímos não uma vida perfeita, mas uma vida vivida.

Marina aprendeu isso naquele dia, quando decidiu fazer diferente. Não uma revolução, mas uma escolha suave: estar onde estava. Na reunião da tarde, em vez de antecipar críticas, ela ouviu as ideias. No caminho para casa, em vez de revisar os erros do dia, ela notou as árvores que estavam florescendo. À noite, em vez de navegar no celular, ela se sentou no chão da sala e montou um quebra-cabeças com a filha.

Não foi um dia perfeito.

Houve impaciência, pressa, momentos em que a mente escapou novamente. Mas foi um dia sentido, um dia em que ela habitou sua própria vida em vez de apenas passar por ela.

E talvez seja isso que significa viver bem: não a promessa de uma felicidade futura nem a reconciliação com o passado, mas a coragem delicada de estar presente para os dias que temos. Porque é neles — nos dias comuns, nos gestos simples, nas escolhas que cabem entre o acordar e o dormir — que a vida acontece de verdade.

O tempo presente não é uma pausa entre o que foi e o que será. É onde habitamos, onde amamos, onde construímos significado. É o único tempo que é nosso, e talvez a única eternidade que precisamos.

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