Ainda Não Sabemos a Resposta.
Em 1987, Renato Russo gritava com a alma em versos raivosos e lúcidos: “Que país é esse?” Era um grito de indignação, de desilusão com um Brasil recém-saído da ditadura, mergulhado em promessas democráticas ainda frágeis e contradições profundas. A pergunta virou hino, virou eco, virou espelho. E o mais doloroso é constatar: até hoje, não sabemos a resposta.
Quase quatro décadas depois, a pergunta continua válida — e talvez ainda mais urgente. O país que se prometia renovado, justo e digno segue tropeçando em seus próprios escombros morais. Corrupção, desigualdade, violência, educação precária, saúde negligenciada, justiça seletiva, racismo estrutural, fome no mesmo solo que exporta toneladas de alimentos. A indignação de ontem ainda pulsa no peito de milhões hoje — como se nada tivesse, de fato, mudado.
“Que país é esse onde o filho chora e a mãe não vê?”
“Que país é esse onde se mata mais com um descaso do que com uma arma?”
“Que país é esse onde se lucra com a miséria e se silencia o grito?”
“Que país é esse onde a memória é enterrada junto com os que lutaram por ela?”
Somos uma nação de riquezas incalculáveis, mas distribuídas de forma cruel. Temos um povo criativo, resiliente, trabalhador, mas constantemente desrespeitado, sabotado, manipulado. As estruturas permanecem podres, e os que tentam repará-las com ética são esmagados pelo cinismo institucionalizado. É um país que parece condenado a andar em círculos — como um disco arranhado repetindo o refrão da mesma música triste.
Renato Russo não nos deu respostas, apenas colocou o dedo na ferida. Talvez porque algumas perguntas doam mais do que qualquer diagnóstico. O problema é que aprendemos a conviver com essa dor. Nos anestesiamos. Nos acostumamos com a lama — ou pior, fingimos que ela não existe.
Mas a crítica não pode ser só lamúria. É preciso também refletir sobre o quanto nós, enquanto sociedade, também nos omitimos. O quanto banalizamos o absurdo, normalizamos a corrupção pequena e grande, a desigualdade que nos cerca, a falta de empatia que nos atravessa. Há um país do qual reclamamos — e outro que alimentamos com nossas escolhas diárias, nossos silêncios convenientes e nossa memória curta.
“Que país é esse?”, ainda perguntamos. Talvez um país que resiste. Que sangra, mas ainda canta. Que chora, mas ainda sonha. Um país que, apesar de todos os pesares, ainda carrega em si o germe da esperança — contida nos que se levantam, nos que educam, nos que denunciam, nos que curam, nos que semeiam justiça.
A resposta, quem sabe, ainda não temos. Mas talvez a resposta só nasça quando a pergunta parar de ser apenas um lamento — e se tornar, enfim, um compromisso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário