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A pergunta vem sem aviso, em silêncio, como quem toca o ombro da gente no meio de uma tarde qualquer: o que fazer com aquilo que te fizeram? Não com o que você fez, mas com o que fizeram com você — o que disseram, o que deixaram de dizer, o que partiram em você e o que deixaram inteiro quando você queria, na verdade, partir.
É uma questão existencial, dessas que pesam no peito mesmo quando o dia parece leve. E, quase sempre, o que mais dói não são as boas lembranças. As coisas boas ficam lá, guardadas, agradecidas, mas quietas. Já as negativas… ah, essas parecem ter vida própria. Elas latejam, se repetem, fazem eco e às vezes tomam o lugar de tudo o que é bonito.
A vida é uma dança constante entre sentir e suportar. Emoções nos tomam de assalto, nos fortalecem, nos quebram, e depois nos moldam outra vez. O mais curioso é que, mesmo quando algo nos destrói, é possível sair disso mais inteiro — mas nunca igual. Porque a dor, de certo modo, esculpe.
E nessa escultura chamada “vida”, nem tudo é acaso. Muitas vezes, somos coautores do que nos acontece. Tomamos decisões achando que eram as melhores. Apostamos alto, confiamos, nos jogamos. E depois… bem, depois vem o baque, o erro, o arrependimento, a frustração. É aí que descobrimos que o passado tem consequências, e elas não pedem licença para ficar.
Então, o que fazer com aquilo que te fizeram? Talvez o primeiro passo seja parar de carregar o que não é seu. O que o outro causou, doeu, feriu — sim, isso te atingiu. Mas não precisa te definir. Há um momento em que a gente precisa decidir se vai viver como vítima do que foi ou protagonista do que pode ser.
Guardar rancor é como se intoxicar devagar. Libertar-se, por outro lado, é um processo lento, mas libertador. Não é esquecer, nem fingir que não doeu. É aceitar que doeu e escolher, ainda assim, não viver preso à dor. É aprender a fazer das marcas um mapa — não um cárcere.
No fim, a vida segue sendo esse jogo confuso de perdas e ganhos. Mas, com o tempo, a gente aprende que mesmo aquilo que nos feriu pode ensinar. Que até da queda se tira chão. E que talvez a paz venha, justamente, quando decidimos fazer das dores não um fim, mas um recomeço.
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