sábado, 21 de junho de 2025

☕️Primavera em Dois Cafés (CONTO)

O sino da porta do pequeno barzinho tilintou de leve quando Lucas entrou. O lugar era um daqueles cantinhos esquecidos pelo tempo, aninhado no canto da praça principal, onde as árvores floridas despejavam pétalas como bênçãos silenciosas. Era sábado de manhã, a primavera parecia recém-chegada, e o mundo parecia menos urgente.

Marta já o esperava na mesa do fundo, junto à janela. Uma xícara de café pela metade e um livro aberto em cima da mesa denunciavam a espera serena. Ela ergueu os olhos e sorriu — aquele sorriso de quem já entendeu que a pressa não leva a lugar nenhum que valha realmente a pena.

— Demorei? — perguntou Lucas, ajeitando a cadeira antes mesmo de se sentar.

— Não. Aqui o tempo corre diferente — respondeu ela. — Já pediu o seu café?

— Não. Mas vou querer o mesmo que o seu. Está bom?

— Sempre está — disse ela, com um leve levantar de sobrancelhas.

O garçom, que já os conhecia de outros encontros espaçados, trouxe a bebida sem que fosse preciso pedir. Era assim ali: silêncio e gentilezas entendidas.

A conversa começou com amenidades — o clima, as flores da praça, o novo cardápio do barzinho — mas logo mergulhou, sem alarde, naquelas profundezas que só duas pessoas disponíveis para escutar de verdade conseguem alcançar.

— Sabe, às vezes acho que o mundo está doente de si mesmo — disse Marta, olhando para fora, onde uma senhora passeava com um cachorro de patas curtas. — Todo mundo tentando parecer bem, mas esquecendo de estar bem, de verdade.

Lucas assentiu, soprando o café.

— E quando a gente não está bem com a gente, é quase impossível oferecer alguma coisa boa ao outro. Como servir água limpa de um copo rachado.

— É. E tem gente que nunca olha o próprio copo. Só reclama da água alheia — completou ela, rindo com um pouco de tristeza.

Falaram sobre as profissões. Marta era terapeuta ocupacional. Contou das histórias bonitas que carrega em silêncio, dos reencontros entre pessoas e seus próprios corpos, seus movimentos, suas vontades. Lucas era ilustrador, desenhava capas de livros, personagens infantis e às vezes fazia murais em escolas públicas.

— Sempre achei bonito isso de dar cor às coisas — disse Marta.

— Mas você também dá. Só que com outro tipo de tinta — ele respondeu. — A gente tem paixões parecidas, no fundo. Só que expressamos de formas diferentes.

Marta sorriu de lado, pegou a colher e começou a girar devagar a espuma do café, como se mexesse também as ideias.

— Às vezes eu só queria que as pessoas entendessem que felicidade não é uma conquista, é um jeito de estar. Um estado, como essa manhã aqui. Simples e cheia.

— Concordo. Tem gente que acumula vitórias, mas nunca se sente leve. E tem gente que só precisa de um café bom e de uma boa conversa pra lembrar que já tem tudo.

Falaram ainda sobre hobbies — ele andava de bicicleta nos domingos e colecionava postais antigos; ela fazia bordado e aprendia tango nas noites de terça. Disseram que talvez um dia dançassem juntos. Talvez. Nada precisava ser hoje.

A conversa foi se alongando como sombra em fim de tarde, mesmo sendo ainda manhã. Era como se o tempo, ali naquela mesa, estivesse trançando laços, não apenas passando.

Quando a segunda xícara foi servida, os dois já tinham falado sobre a importância de parar, sobre a beleza das pequenas coisas e sobre como se sente quando alguém nos escuta sem pressa. Era uma conversa entre duas pessoas que, por um instante, foram espelho uma da outra — calmas, francas e inteiras.

Marta olhou para o relógio e disse que precisava ir. Tinha um compromisso com a vida, desses que não dá para adiar: cuidar de si mesma. Lucas entendeu. Também precisava disso. Sempre precisava.

Despediram-se com um abraço sincero, daqueles que não têm fim imediato, mas continuam reverberando por dentro.

Enquanto ela se afastava pela calçada, Lucas ficou ali mais um pouco, olhando para a praça, para as pétalas no chão, para o mundo que, apesar de tudo, ainda sabia florir em manhãs assim.

E pensou: talvez a humanidade ainda tenha salvação. Basta que duas pessoas continuem se encontrando para conversar, tomando café e dividindo o coração.

Porque às vezes, tudo o que o mundo precisa é de uma boa conversa e de um pouco mais de primavera.

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