Por Ivone Fernandes
🚉 A ESTAÇÃO DOS QUE FICAM
No coração de uma cidade pequena, onde os dias pareciam sempre iguais e as manhãs chegavam com cheiro de pão fresco e saudade antiga, havia uma velha estação de trem.
Ela já não era usada. Os trens deixaram de passar por ali havia décadas. Mas toda sexta-feira, ao entardecer, uma mulher aparecia e sentava-se no mesmo banco de madeira, carregando um buquê de flores do campo e um olhar que parecia esperar por algo impossível.
Seu nome era Dona Iolanda. Tinha os cabelos brancos como nuvem e as mãos que tremiam feito folhas ao vento. Ninguém sabia ao certo por que ela ia até lá. Uns diziam que esperava por alguém que prometera voltar. Outros acreditavam ser apenas a rotina de uma senhora solitária.
Mas ninguém perguntava. Porque havia certa reverência naquele silêncio.
👦O MENINO DO JARDIM
Numa dessas sextas-feiras, Tomás — um menino de dez anos que morava perto e adorava andar de bicicleta — parou curioso ao vê-la ali, tão imóvel, quase parte da paisagem.
No começo, só a observava de longe. Depois, passou a sentar num banco mais afastado. Até que um dia, criou coragem e perguntou:
— A senhora está esperando alguém?
Dona Iolanda olhou para ele, sorriu de leve e respondeu:
— Sempre. Mas às vezes, a gente espera mais por dentro do que por fora.
Tomás não entendeu. Mas sentiu que aquela frase tinha peso. E ficou.
OS DIAS EM QUE NADA ACONTECIA — E TUDO MUDAVA
Sexta após sexta, eles se encontravam ali. Não falavam muito. Às vezes, ele levava um quebra-cabeça. Outras, ela levava pão de queijo. E, aos poucos, aquela estação que só tinha eco começou a ganhar vida: risos baixos, migalhas no chão, histórias trocadas em pedaços.
Tomás contava sobre os pais que brigavam muito. Sobre a vontade de fugir. Sobre como, às vezes, se sentia invisível.
Dona Iolanda apenas ouvia. E, no fim, sempre dizia:
— Ninguém é invisível quando alguém espera por você.
O TREM QUE NÃO CHEGAVA
Um dia, Tomás chegou correndo, suado, com um desenho nas mãos: era um trem gigante, colorido, chegando à estação. Embaixo, ele escreveu:
“Talvez o que a gente espera não seja uma pessoa. Mas um recomeço.”
Dona Iolanda ficou em silêncio por alguns segundos. Depois, riu. E disse:
— Então você entendeu. Antes mesmo de mim.
O ADEUS SEM LÁGRIMAS
Na sexta seguinte, ela não apareceu. Nem na outra. Nem na outra.
Tomás, preocupado, foi procurá-la. Descobriu que Dona Iolanda havia partido — tranquila, dormindo.
No criado-mudo dela, havia um bilhete com seu nome, escrito com letra tremida:
“Você foi o trem que chegou.
Obrigada por me lembrar que ainda valia a pena esperar.”
O NOVO GUARDIÃO DA ESTAÇÃO
Hoje, Tomás é adulto. Mas toda sexta-feira, ainda volta à estação. Leva pão de queijo. E, às vezes, desenhos feitos pelos filhos.
Ensina que esperar nem sempre é sobre o que falta. Às vezes, é sobre dar tempo ao que está nascendo.
E aquela velha estação, onde os trens deixaram de passar, tornou-se um pequeno ponto turístico.
No letreiro restaurado, agora se lê:
📍 Estação dos Que Esperam com o Coração.
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