domingo, 15 de junho de 2025

No Rolê das Palavras

Nem sempre as palavras andaram em dicionários. Antes disso, elas vagavam soltas pelas bocas do povo, pelas fogueiras das aldeias, pelos becos das cidades antigas. Antes de serem escritas, as palavras caminharam longas distâncias na sola da voz. Eram nômades, livres, e aprendiam a dançar conforme o som das culturas.


“No rolê das palavras”, como gosto de chamar, é possível ver como elas mudam de roupa e de endereço. Algumas chegaram aqui de navio, outras vieram na bagagem invisível de imigrantes, outras nasceram bem aqui, no chão de barro e de suor, sob o sol de um Brasil que ainda nem tinha nome.


Palavras africanas se misturaram com o português dos colonizadores, e o tupi ecoou nos rios, nas matas, nos nomes das cidades. Dendê, quitanda, acarajé, cafuné — palavras que não só dizem, mas dançam. Palavras de raiz, com gingado e memória.


E como muda, essa língua nossa. Cada geração inventa um novo vocabulário — e a língua vai se moldando, como um espelho torto da sociedade. Nos anos 50, os jovens estavam “num embalo”; nos 90, era “massa demais”; hoje, é “cringe” e “é sobre isso”. Palavras que contam a história não só do idioma, mas dos afetos, das modas e das revoluções que pulsam por dentro.


No rolê das palavras, há também aquelas que foram banidas, silenciadas, perseguidas. Em tempos de ditadura, certas palavras eram perigosas. Em tempos de censura, até o dicionário precisava medir o tom. A história mostra: onde há poder, há quem queira calar. E onde há silêncio, há sempre uma palavra querendo escapar.


Mas as palavras, ah, elas são teimosas. Escorregam pelos muros, aparecem nos muros pichados, ressurgem nos slams, nas canções, nas redes. Elas sobrevivem. Porque palavra é bicho inquieto — não se prende, não se cala, não se apaga fácil.


E nesse rolê todo, estamos nós: falantes, ouvintes, contadores de causos. Gente que transforma vivência em verso, memória em metáfora, dor em desabafo. Porque toda vez que alguém escreve, fala ou canta, está continuando o antigo rolê das palavras.

E que bom que ele não tem ponto final.

Nenhum comentário: