quarta-feira, 18 de junho de 2025

O que a vida sussurra

Era fim de tarde quando Clara chegou com seu cachecol de lã desfiando nas pontas e um suspiro no olhar. Encarou a pracinha quase vazia, o banco de madeira sob a sombra alongada da árvore e, ali, viu Miguel. Sentado, como sempre, com as mãos nos bolsos e o olhar perdido em qualquer lugar que não fosse o presente.


— Ainda guarda esse lugar pra mim? — perguntou ela, com um meio sorriso.

— Sempre — respondeu ele, sem virar o rosto, mas com o canto da boca denunciando o afeto.

Clara se sentou ao seu lado. Ficaram alguns segundos em silêncio, ouvindo o vento conversar com as folhas.

— Hoje pensei em largar tudo — ela disse, quebrando a pausa.

— Já é a quarta vez que você pensa isso este mês.

— É que a vida tem sido… confusa.

— A vida é especialista nisso. Parece que ela se alimenta da nossa tentativa de entender tudo.

Ela riu, mas os olhos ainda traziam peso.

— Às vezes, queria só ir pra um lugar onde ninguém me conhece. Recomeçar.

— E você acha que a alma não viaja com a gente?

Clara olhou para o céu começando a se tingir de laranja.

— Eu sei. É só que tem dias em que tudo cansa. A rotina, as expectativas, os barulhos internos…

— Você ainda dança? — ele perguntou, virando-se finalmente pra ela.

— Danço. Mas menos.

— Então dança mais. Não pelo espetáculo, mas pela leveza.

Clara baixou os olhos.

— E você, Miguel? Ainda escreve?

— Escrevo. Às vezes. Mas percebi que ando escrevendo só sobre o que dói.

— Isso é ruim?

— Não sei. Acho que a dor grita mais alto. Mas a beleza… a beleza sussurra. E a gente tem que estar em silêncio pra ouvir.

Ela encostou levemente a cabeça no ombro dele.

— Eu gosto de quando a gente se encontra.

— Eu também. Aqui o mundo parece mais devagar.

— E mais sincero.

Outro silêncio. Não de desconforto, mas de comunhão.

— Miguel… você acha que a gente complica demais?

— Com certeza. A gente quer garantias, finais felizes, explicações lógicas pra tudo. Mas a vida é mais poesia do que manual de instruções.

— E você acha que a gente pode ser feliz mesmo sem entender tudo?

Ele respirou fundo.

— Acho que a gente pode ser feliz apesar de não entender tudo. Felicidade, às vezes, é só estar no lugar certo com a pessoa certa. Ou tomar um café quente num dia frio. Ou escutar uma música que abraça a alma.

— Ou conversar como agora.

— É. Conversar como agora.

O sol já quase se escondia quando Clara se levantou, ajeitando o cachecol.

— Preciso ir.

— Eu sei.

— Mas deixo aqui, no seu bolso, um pouco da minha esperança. Se um dia faltar, usa.

Miguel sorriu.

— E eu deixo com você minha paciência. Caso o mundo grite demais.

Trocaram um olhar silencioso. E entenderam o que não cabia em palavras.

A vida seguiria — cheia de nuances, de cansaços e belezas. Mas sempre haveria um banco, uma sombra, e dois corações dispostos a lembrar um ao outro que viver, no fundo, é isso: um encontro entre o caos e o encanto.

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