Era fim de tarde quando Clara chegou com seu cachecol de lã desfiando nas pontas e um suspiro no olhar. Encarou a pracinha quase vazia, o banco de madeira sob a sombra alongada da árvore e, ali, viu Miguel. Sentado, como sempre, com as mãos nos bolsos e o olhar perdido em qualquer lugar que não fosse o presente.
— Ainda guarda esse lugar pra mim? — perguntou ela, com um meio sorriso.
— Sempre — respondeu ele, sem virar o rosto, mas com o canto da boca denunciando o afeto.
Clara se sentou ao seu lado. Ficaram alguns segundos em silêncio, ouvindo o vento conversar com as folhas.
— Hoje pensei em largar tudo — ela disse, quebrando a pausa.
— Já é a quarta vez que você pensa isso este mês.
— É que a vida tem sido… confusa.
— A vida é especialista nisso. Parece que ela se alimenta da nossa tentativa de entender tudo.
Ela riu, mas os olhos ainda traziam peso.
— Às vezes, queria só ir pra um lugar onde ninguém me conhece. Recomeçar.
— E você acha que a alma não viaja com a gente?
Clara olhou para o céu começando a se tingir de laranja.
— Eu sei. É só que tem dias em que tudo cansa. A rotina, as expectativas, os barulhos internos…
— Você ainda dança? — ele perguntou, virando-se finalmente pra ela.
— Danço. Mas menos.
— Então dança mais. Não pelo espetáculo, mas pela leveza.
Clara baixou os olhos.
— E você, Miguel? Ainda escreve?
— Escrevo. Às vezes. Mas percebi que ando escrevendo só sobre o que dói.
— Isso é ruim?
— Não sei. Acho que a dor grita mais alto. Mas a beleza… a beleza sussurra. E a gente tem que estar em silêncio pra ouvir.
Ela encostou levemente a cabeça no ombro dele.
— Eu gosto de quando a gente se encontra.
— Eu também. Aqui o mundo parece mais devagar.
— E mais sincero.
Outro silêncio. Não de desconforto, mas de comunhão.
— Miguel… você acha que a gente complica demais?
— Com certeza. A gente quer garantias, finais felizes, explicações lógicas pra tudo. Mas a vida é mais poesia do que manual de instruções.
— E você acha que a gente pode ser feliz mesmo sem entender tudo?
Ele respirou fundo.
— Acho que a gente pode ser feliz apesar de não entender tudo. Felicidade, às vezes, é só estar no lugar certo com a pessoa certa. Ou tomar um café quente num dia frio. Ou escutar uma música que abraça a alma.
— Ou conversar como agora.
— É. Conversar como agora.
O sol já quase se escondia quando Clara se levantou, ajeitando o cachecol.
— Preciso ir.
— Eu sei.
— Mas deixo aqui, no seu bolso, um pouco da minha esperança. Se um dia faltar, usa.
Miguel sorriu.
— E eu deixo com você minha paciência. Caso o mundo grite demais.
Trocaram um olhar silencioso. E entenderam o que não cabia em palavras.
A vida seguiria — cheia de nuances, de cansaços e belezas. Mas sempre haveria um banco, uma sombra, e dois corações dispostos a lembrar um ao outro que viver, no fundo, é isso: um encontro entre o caos e o encanto.
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