domingo, 15 de junho de 2025

Bate-papo de papel

Era uma tarde qualquer, daquelas em que o silêncio se espreguiça pelas frestas das janelas e o mundo parece andar em passos mais suaves. Sobre a mesa, uma caneca de chá morno soltava pequenos suspiros de vapor, e ao lado dela, um caderno aberto aguardava — paciente, como um velho amigo que sabe esperar.


Caneta em punho, comecei a escrever. Mas logo percebi que não era eu quem puxava a conversa. Era o papel.

Ele me perguntava coisas que ninguém perguntava. “E aí, como você está de verdade?”

A tinta, tímida, foi se abrindo. Uma letra de cada vez, como quem vai tirando os sapatos para entrar devagarinho num lugar sagrado. Escrevi sobre lembranças que nem lembrava que moravam em mim. Coisas simples, como o cheiro de pão na casa da vó ou a mania de observar as pessoas pela janela do ônibus.

O papel não interrompia. Não julgava. Só escutava.

Havia uma sabedoria silenciosa naquele branco imenso. Como se cada linha fosse um banco de praça, e minhas palavras fossem pássaros fazendo morada. Eu escrevia sem pressa, sem filtro, sem vírgulas se fosse preciso. E o papel acolhia tudo.

Às vezes respondia com um chiado de caneta mais forte, como quem se emociona. Outras vezes, se deixava em branco mesmo, e eu entendia — certas coisas a gente só precisa dizer, não resolver.

Era um bate-papo entre mim e o mundo que eu guardo do lado de dentro. Uma conversa sem hora pra acabar.

E quando, por fim, fechei o caderno, o silêncio da sala já não era mais o mesmo. Ele também tinha escutado.

No fim, o papel ficou ali, quieto, carregando nas costas tudo o que eu precisava dizer e não sabia a quem.

Foi só mais uma tarde comum.

Mas pra mim, foi um reencontro.

Um bate-papo de papel.


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