domingo, 15 de junho de 2025

Café, crônica e companhia

Na manhã cinzenta de quarta-feira, uma cafeteria no centro da cidade abriu suas portas como faz todos os dias. Nada parecia diferente, exceto o grupo de pessoas que se reunia em torno de uma mesa perto da vitrine: cadernos abertos, xícaras fumegantes, olhares atentos e vozes baixas. Era o primeiro encontro presencial do “Clube da Crônica”, um grupo que começou online durante a pandemia e, agora, ousava ocupar o mundo real com palavras escritas à mão e corações à mostra.


A proposta era simples — mas, como quase tudo que é simples, profundamente humana: ler, escrever e conversar. Sem exigências de perfeição literária, sem pressa, sem filtros. Um café, uma crônica e a companhia de quem também acredita que as pequenas coisas da vida merecem ser contadas.


Resolvi aceitar o convite e se infiltrar no grupo, caneta na mão e ouvidos atentos. O que encontrou ali não foi apenas um clube de escrita, mas um microcosmo de afetos: dona Célia, aposentada de 68 anos, escreveu sobre o cheiro do pão do marido falecido; João, 34, relatou o medo que sente do silêncio aos domingos; Elisa, estudante de Letras, descreveu o céu da sua infância como se pintasse com palavras.


Em tempos de urgência e algoritmos, o grupo decidiu desacelerar. Escolheu olhar para dentro. A crônica — esse gênero entre o jornalístico e o poético — servia como ponte entre as experiências individuais e as emoções universais. Entre um gole de café e outro, alguém dizia: “Nunca pensei que escrever fosse me curar de tanto”.


E, talvez, seja disso que o mundo precisa. De espaços pequenos, mas significativos. De rituais simples, como anotar uma lembrança no guardanapo enquanto o café esfria. De encontros que não têm outro objetivo senão partilhar a existência em forma de palavras.


Quando a manhã terminou, alguns foram para o trabalho, outros voltaram para casa. A cidade seguiu seu ritmo, apressada como sempre. Mas ali, naquela cafeteria com cheiro de pão e tinta de caneta, algo havia acontecido:

um grupo de pessoas havia resistido ao vazio do cotidiano escrevendo sobre ele.


Crônica escrita, café bebido, e a certeza de que ninguém precisa estar só quando se tem uma boa história para contar — e alguém disposto a ouvir.

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