Quando a memória repousa …
Era noite de céu limpo, e Aurora saiu para caminhar. Fazia tempo que não andava pelas ruas do bairro antigo onde cresceu. Os postes continuavam amarelados, a calçada ainda tinha as falhas de sempre, e o velho banco da pracinha… ainda estava lá.
Sentou-se. Olhou ao redor. Tantas coisas haviam mudado. Mas dentro dela, o que mais mudava era a forma como olhava para o que permaneceu.
De repente, viu alguém se aproximar. Um senhor — chapéu na cabeça, passos lentos, um cachorro ao lado. Ele sorriu com os olhos, como quem reconhece uma alma que já se cruzou em algum tempo.
— Você não é a filha da dona Elza?
Aurora se surpreendeu. Era o senhor Manoel, antigo vizinho da sua infância. Ele falou da mãe dela com carinho, contou histórias esquecidas, riu lembrando dos bolos de laranja e das roupas estendidas no varal. E ali, sem aviso, Aurora chorou.
Não de tristeza. Mas de ternura.
Era como se o tempo, naquele banco, tivesse dado uma trégua. Como se dissesse: “Você não precisa apagar nada. Pode lembrar com amor.”
Na volta pra casa, Aurora levou consigo a paz de quem não precisa mais fugir da própria história. Entendeu que há memórias que doem por um tempo, mas depois apenas repousam. Ficam ali, tranquilas, como fotografias num álbum. Não mais ferida — só lembrança.
E, naquele dia, ela soube que curar-se também era isso: sentar no banco das memórias e saber levantar de novo, mais inteira.
. . .
Nenhum comentário:
Postar um comentário