Entre o que volta e o que fica …
O telefone tocou no fim da tarde, interrompendo a leitura que Aurora saboreava na poltrona velha. O número era familiar. Tão familiar que, por um instante, o tempo pareceu suspenso. O nome piscava na tela como um eco do passado: Davi.
Ela hesitou.
Não era medo. Era cautela. Como quem já aprendeu que nem tudo que volta merece pouso. Mas atendeu — com o coração sereno, não mais com urgência.
Do outro lado da linha, a voz era a mesma: doce, firme, um pouco mais rouca — como se o tempo também tivesse passado por dentro dela. Davi falava como quem pisa devagar em terreno antigo, pedindo desculpas com palavras curtas e um silêncio longo logo depois.
— Aurora… você ainda lembra de mim?
Ela sorriu de leve. Como esquecer? Davi foi um dos capítulos mais bonitos — e mais confusos — da sua história. Mas agora, não doía mais lembrar. Era só uma página que ela havia aprendido a virar com ternura.
— Lembro, sim. Mas hoje, lembro sem peso.
Houve um suspiro do outro lado. Ele queria encontrá-la. Dizer que havia mudado, que pensava nela, que talvez — quem sabe — fosse tempo de recomeçar.
Mas Aurora, que já havia aprendido que nem tudo que volta deve ficar, respondeu com a clareza de quem se reencontrou:
— Davi… agradeço por lembrar de mim. Mas eu também aprendi a lembrar de mim. E hoje, eu me escolho.
Depois desligou. Não por mágoa. Mas por amor — a si mesma. Porque às vezes o reencontro mais bonito é aquele que a gente tem com a própria verdade.
E, naquela noite, enquanto a chuva caía mansa, Aurora sentiu algo novo dentro do peito. Não era saudade. Era liberdade.
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