domingo, 15 de junho de 2025

De A a Z: Crônicas

Alice começou a escrever numa tarde chuvosa de setembro. A ideia não era clara, mas a vontade era forte: contar o que via, sentia, pensava. Uma crônica por letra. Um alfabeto inteiro de fragmentos da vida.


“A de amor”, ela escreveu primeiro, com mãos trêmulas e coração cheio. Falou de sua primeira paixão, do bilhete escondido na mochila da escola, do coração que batia mais alto quando ele passava — e de como tudo terminou numa vírgula mal colocada e um silêncio constrangedor.


“B de beleza”, ela anotou depois, com os olhos fitos no espelho. Não para falar de maquiagem ou estética, mas da beleza dos instantes miúdos: o sorriso do vizinho solitário, a dança das folhas no outono, a gargalhada inesperada de uma criança no ônibus.


Cada letra virava um mundo. “C de coragem”, “D de distância”, “E de esperança”… Até chegar ao “Z”.


Foi aí que Alice parou. “Z de… quê?”, ela se perguntou, encarando a página em branco com a intensidade de quem encara a vida. “Z de zero?”, “Zelo?”, “Ziguezague?” Nenhuma palavra parecia suficiente.


Ela levantou da cadeira, fez um café, caminhou pela casa. Olhou pela janela, ouviu os pingos caindo no telhado e então entendeu: o “Z” era o ponto de chegada, mas também de recomeço. A última letra, sim, mas não o fim da escrita.


Era o “Z” que a desafiava a continuar, mesmo depois do alfabeto.

Porque a vida, assim como as crônicas, não termina quando acabam as letras — ela apenas encontra novas formas de ser contada.


No fim da tarde, Alice escreveu:


“Z de Zelo. Pela vida. Pelas palavras. Pelas histórias que ainda estão por vir.”


Fechou o caderno com um sorriso leve, daqueles que sabem: escrever é a forma mais bonita de não deixar a vida passar em branco.

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