Há tardes que pedem silêncio.
Outras, pedem papel.
Foi numa dessas que sentei à mesa sem planos, só a companhia de um caderno amassado e uma caneta que já falhava um pouco. O mundo lá fora seguia apressado, mas aqui dentro, tudo parecia andar devagar — como se cada pensamento exigisse um espaço só seu para se deitar.
E eu fui rabiscando.
Sem forma, sem pretensão.
Primeiro vieram palavras soltas, depois traços, corações tortos, nuvens desenhadas sem céu. Uma flor nasceu num canto da página. Um nome esquecido se escondeu noutro. Um verso sem rima apareceu no meio da confusão.
O caderno, coitado, parecia me escutar com uma paciência que ninguém mais tem.
Era ali que acontecia o que não cabia no mundo concreto: as saudades que não sei nomear, as dúvidas que não se explicam, os sonhos que não conto nem pra mim mesma.
E foi nesse intervalo entre um rabisco e outro que as conversas começaram.
Conversas com o que fui, com o que sou, com o que ainda tento ser.
Conversas com os silêncios, que às vezes dizem mais do que mil conselhos.
A caneta falhava, é verdade. Mas isso também era poesia.
Porque nem sempre a gente consegue dizer tudo.
E tudo bem.
Terminei com a página cheia de vida.
Não dava pra entender muita coisa, não.
Mas dava pra sentir.
E isso, às vezes, é o que mais importa.
Fechei o caderno com cuidado.
Como quem guarda um segredo.
E ali, no eco de tantos rabiscos e conversas, conversas e rabiscos, me senti um pouco mais inteiro.
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