domingo, 15 de junho de 2025

É dia de Gre-Nal: uma crônica

— E aí, preparado pro jogo? — perguntou Cláudio, ajeitando o boné azul na cabeça, como quem coloca armadura antes da batalha.


— Preparado tô sempre — respondeu Tonico, de camiseta vermelha já meio desbotada pelo tempo e pelas glórias. — Só não sei se o meu coração tá.


Os dois estavam sentados no mesmo banco da praça em que cresceram, dividindo uma cuia de chimarrão e as mesmas histórias há mais de trinta anos. Amizade de infância, daquelas que nem a rivalidade mais feroz consegue romper — mas que sabe provocar como ninguém.


— Hoje vai ser massacre, tu sabe, né? — Cláudio provocou, com aquele sorriso maroto de quem já sabia que ia ouvir.


— Massacre foi o último, que vocês só não levaram mais porque o juiz ficou com pena. — Tonico deu de ombros, mas o canto da boca já denunciava o riso. — Hoje é outra história. Hoje tem gol do guri da base. Já tô até vendo.


— Gol do guri? Vocês vão precisar mais que isso pra passar da nossa zaga. — Cláudio cruzou os braços, confiante. — Tá diferente agora. Técnico novo, tática nova… espírito novo. A gente entra pra ganhar.


— Todo técnico de vocês é novo, né? A cada três jogos já tão procurando outro! — Tonico riu alto, cutucando o amigo com o cotovelo.


Cláudio fingiu indignação, mas logo os dois estavam rindo juntos, como sempre.


O sol começava a descer devagar por trás das árvores da praça. As crianças corriam com camisetas divididas entre o azul e o vermelho, como se já entendessem a importância daquele duelo que era mais do que um jogo — era quase um ritual. As senhoras no coreto falavam de receitas e orações, mas sabiam bem que, ao cair da noite, a cidade se dividiria em silêncio e grito.


— Lembra daquele Gre-Nal de 2004? — perguntou Tonico, com o olhar perdido na memória. — Tu tava em casa, eu passei na tua rua só pra provocar, com bandeira, buzina e tudo. Tua mãe quase me botou pra correr.


— Como esquecer? Eu chorei de raiva naquele dia — Cláudio balançou a cabeça, sorrindo. — E no ano seguinte tu veio aqui pra casa, humilde, comer churrasco e engolir a derrota com farofa.


Ambos riram. Entre provocações e lembranças, sabiam que o que os unia era muito maior que as quatro linhas.


— No fim, é só futebol — disse Tonico, como quem diz uma verdade maior.


— Só futebol… mas é Gre-Nal, tchê. — Cláudio respondeu, levantando-se com a cuia na mão e o coração acelerado.


Se despediram com um abraço apertado, desses que nem a rivalidade abala. Cada um seguiu seu caminho — um para o bar da esquina, o outro para o sofá de casa — com o peito cheio de expectativa.


Porque quando é Gre-Nal, a cidade respira diferente.

É mais que jogo.

É história, paixão, infância e amizade.

É rivalidade que termina em churrasco.

E, às vezes, em empate — só pra ninguém perder o amigo.

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