— Você se preocupa com o avanço da inteligência artificial?
— Não, eu me preocupo mais com o retrocesso da inteligência natural.
A conversa aconteceu numa tarde qualquer, entre goles de café e silêncios compartilhados. Era uma mesa de padaria, daquelas com tampo de fórmica já um pouco gasto pelo tempo, rodeada de gente apressada e distraída com as notificações do celular.
Foi ali, entre uma colherada de açúcar e outra, que aquela frase caiu como um trovão sereno. Sem grito, mas com peso.
O sujeito que a disse era um senhor de voz tranquila e olhar miúdo, desses que já viram mais do que contam. Não parecia ter medo da tecnologia. Ao contrário, manuseava o celular com destreza e respondia mensagens com emojis bem colocados. Mas havia nele algo inquieto — não contra o que avança, mas contra o que se perde.
Disse que o problema não era a inteligência artificial ficar mais esperta. O problema era a natural ir ficando preguiçosa.
— A gente está deixando de pensar com profundidade.
— De refletir. De se perguntar o porquê das coisas.
— De conversar olhando no olho, sabe?
E enquanto falava, apontava pequenas evidências. Gente que copia opinião como se fosse figurinha. Criança que cresce sem saber brincar fora da tela. Adultos que já não leem mais do que cabe num story. Pensar virou esforço. Sentir, então, nem se fala.
Ele dizia que a inteligência natural era mais que lógica ou razão. Era empatia, curiosidade, discernimento, escuta. Era o tipo de sabedoria que não cabe em algoritmo.
— O futuro tá chegando rápido demais — ele disse. — Mas, por dentro, parece que a gente tá andando pra trás.
Fiquei em silêncio, olhando a rua lá fora. Um entregador quase atropelado por um carro distraído. Dois adolescentes juntos, mas cada um imerso no próprio mundo digital. Uma senhora tentando pagar com dinheiro e sendo olhada como se fosse relíquia de museu.
E eu entendi o que ele queria dizer.
Não é o chip que nos ameaça.
É o desaprender humano.
É o descaso com o sentir.
É a pressa que mata a escuta, o raciocínio, o afeto.
No fim da tarde, ele se despediu com um sorriso e deixou um “até outro dia” no ar, como quem deixa uma semente.
Desde então, carrego comigo aquela frase.
Não por medo do que a tecnologia se tornará.
Mas por amor ao que nós estamos deixando de ser.
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